Modelo é contemporâneo a um dos momentos
mais difíceis na história da Caio, mas trouxe inovações tecnológicas
Muito pelo contrário, seu sucesso conseguiu dar uma sobrevida à empresa e, juntamente com a marca e a tradição da Caio, torná-la interessante para novos investidores.
O termo Alfa, ou Alpha,
significa o início. Mas na história dos ônibus marcou o fim. O fim da era
tradicional e do controle familiar de uma das maiores encarroçadoras de
veículos de transporte de passageiros do País, a Caio.
O veículo fez parte da última
linha de produção completa da empresa, antes de ela ter passado pelo pior
momento de sua história, tendo de entrar em concordata e arrendada por um forte
grupo de transportadores de São Paulo, comandado por José Ruas Vaz.
Bem no ano que a Caio pedia
concordata, em 1999, o Alpha ainda estava sendo produzido. Eram os últimos
veículos deste modelo, que ainda avançou o início dos anos 2000 por conta das
encomendas.
O modelo Alpha, que marcou a
rotina de várias cidades de quase todo o País não foi o culpado obviamente por
esta situação da Caio.
Muito pelo contrário, seu sucesso conseguiu dar uma sobrevida à empresa e, juntamente com a marca e a tradição da Caio, torná-la interessante para novos investidores.
Afinal, se no momento da
concordata, a Caio estivesse com produtos que fossem verdadeiros fracassos,
talvez somente sua história não seria suficiente para fazer com que a empresa
seguisse por novos rumos.
Integrantes da própria família
fundadora da Caio elencaram uma série de fatores que levaram a empresa a quase
desaparecer. A desvalorização do Real, em 1999, pegou muitos produtores de
surpresa, atrapalhando os investimentos em importações de materiais, compra de
produtos atrelados ao preço do dólar, leasing e nas negociações para
exportações. As taxas de juros foram ampliadas nesta época. De acordo com
histórico do site oficial do Banco do Brasil, a taxa de juros básicos da
economia, a Taxa Selic na reunião do Copom – Comitê de Política Monetária, de
05 de março de 1999, estava a 44, 95% ao ano. Isso dificultava os
financiamentos e investimentos de longo prazo, tanto para as fabricantes, que
precisavam comprar matéria prima e modernizar seus parques industriais, como
para os frotistas, que precisavam financiar a compra dos ônibus. A concorrência
também estava mais pesada em cima da Caio. Nos anos de 1990, várias novas
empresas entraram no mercado. Mesmo boa parte delas não durando muito tempo,
não deixaram de abocanhar uma fatia. E encarroçadoras tradicionais cresciam
também com uma demanda de renovação de frota no segmento urbano, imposta por
reorganização dos transportes de grandes e médias cidades. Destaque para a
Marcopolo, mais presente no setor rodoviário, aumentava expressivamente sua
participação no mercado de urbanos com o Viale e principalmente com o fenômeno
Torino, que ainda é sucesso, reformulado depois de várias gerações.
Mas a maior causa das
dificuldades da Caio, de acordo com a família fundadora, foram problemas e
erros administrativos. E sem exageros pode-se dizer: Ai se não fosse o Alpha.
O ALPHA E
SUAS “GERAÇÕES”:
O modelo foi lançado pela Caio
em 1995 com um objetivo nada fácil. Suceder um dos modelos urbanos mais
vendidos da encarroçadora, o Vitória, que teve mais de 28 mil unidades
produzidas de 1988 a 1996.
É fato que o Alpha não teve o
mesmo sucesso do Vitória e nem de longe do Gabriela (I e II), um dos ícones da
fábrica. Mas o modelo liderou o mercado em várias cidades, principalmente no
Sudeste.
O Alpha teve basicamente “três
versões”, com poucas diferenças entre elas.
O modelo de lançamento, chamado
não oficialmente de Alpha I, tinha a parte da lataria, a tampa sob os
para-brisas, separada do protetor dos faróis dianteiros.
Entre 1997 e 1998, uma segunda
“versão” do modelo aparecia com a tampa englobando o protetor dos faróis, as setas
com protetor transparente escurecido e detalhes mais retos na grade dianteira,
no caso dos motores na frente.
Na “última cara do Alpha”, os
frisos da lataria eram mais discretos e o visual aparentemente mais limpo. As
lanternas traseiras eram brancas com as luzes de sinalização seguindo as cores
normais: branca para ré, laranja para direção e alerta e vermelha para
iluminação e freios.
Mas o que vale realmente foi a
importância do modelo no mercado e para continuar a Caio interessante, mesmo
com a situação financeira difícil , com dividias que chegavam a R$ 60 milhões.
A ERA DA
MODERNIDADE:
O modelo Caio Alpha não
representaria apenas um novo design, mas também traria novos conceitos de
produção e estrutura.Foi com o modelo que pela primeira vez a Caio fez uso da
chamada viga “I” na base da carroceria. As vigas eram de aço estrutural ASTM A6/A36M, colocadas de forma transversal
sobre as longarinas e presas por suportes com solda e parafusos. Antes, a Caio
usava estrutura tubular “U”, que remetem à época do modelo Caio Bossa Nova,
lançado entre 1959 e 1960.
Havia duas opções de estrutura:
de chapa de aço prensada ou de alumínio tubular. A Caio até cogitou usar
estrutura tubular nas duas opções do modelo, mas no caso do aço, poderia
ocorrer corrosão interna acelerada nos pontos de solda nos tubos de aço. Assim,
a empresa manteve a solução de chapa prensada e zincada nas estruturas laterais
e no teto. Neste caso, o modelo teve perfis de aço estrutural ZAR 230 zincado e unidos por meio de solda. O
revestimento externo lateral era feito de chapas de aço galvanizadas com
“cristais minimizados e aplainamento restritivo, coladas na parte próxima ao
peitoril das janelas e na parte inferior (saia)”, segundo texto de apresentação
da Caio.
O modelo de alumínio tinha
lateral e teto formados por perfis de liga ASTM 6261 unidos com rebites
maciços. Nos painéis laterais, o revestimento externo era feito com chapas de
alumínio coladas.
O Alpha também marcou o início
de um novo processo para a produção de peças de fibra de vidro, chamado RTM –
Resin Transfer Molding, que era automatizado e importado da Inglaterra. Contava
com um só molde que garantia maior produção e padronização. Antes processo era
manual e pouco eficiente. Para fazer 25 carrocerias diárias, por exemplo,
eram necessários dez moldes.
A mudança foi fundamental
porque várias partes do Alpha eram feitas de fibra de vidro, como a frente,
traseira, para-choques, painel, cofre do moto, degraus das portas e a proteção
do mecanismo das portas. O uso de fibra de vido nos degraus da porta, foi inédito no Alpha. Os modelos anteriores
não contavam com esta solução.
No revestimento interior do
teto, outra novidade: formidur, quer era fabricado com de lâminas de eucalipto
prensadas em altas temperaturas. Uma das vantagens em relação à fórmica é que
não lascava tão facilmente. Era essencial para evitar ferimentos graves causar
em caso de quebra ou acidentes.Em relação ao design, as formas mais
arredondadas procuravam passar modernidade e facilitar a limpeza e manutenção,
com menos frisos e cantos vivos.
O assoalho tinha duas opções:
chapas lavradas de alumínio (xadrez) ou compensado naval revestido de passadeira
preta lisa com frisos de alumínio no corredor.Os quatro faróis dianteiros
redondos ficavam posição 12 centímetros mais altas que no modelo antecessor
Caio Vitória, para melhorar a iluminação e facilitar a troca.
O para-choque era integral, de
fibra no processo RTM, o que facilitava a troca ou reparo. O a área do
itinerário era 16 cm² maior que no Vitória. A placa traseira ficava num
habitáculo entre as lanternas e não no para-choque, auxiliando a visualização. As
lanternas traseiras ficavam 50 mm mais altas que no Vitória. Isso reduzia a
possibilidade de serem danificadas em pequenas batidas na manobras e eram
mais visíveis. As caixas de rodas eram
de fibra no processo RTM.
O Alpha foi o modelo que passou
a atender às exigências contidas das normas Conmetro – Conselho Nacional de
Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial tipos I e II, como: Corrimãos
de tubos de alumínio fixados ao teto por suportes de plástico injetado (com
reforço interno de aço); pega-mãos ao lado das portas dianteira e traseira;
tanque de combustível sob o piso, na lateral da carroceria, com capacidade de
210 a 400 litros, conforme o chassi;
gancho para reboque na dianteira;
janela do motorista com dois vidros de correr e um vidro basculante para
direcionamento do ar e baterias localizadas em compartimento sob o piso, com
tampa para acesso lateral.
UM MODELO
FLEXÍVEL:
Apesar destas evoluções em
relação ao Caio Vitória, o Alpha, como era tradição da Caio, não rompia
definitivamente com a estética do seu antecessor.
As disposições das janelas eram
semelhantes ao do Vitória, dependendo do tamanho do chassi e da motorização.
Por exemplo, o pequeno vidro entre as janelas e a porta dianteira, seguindo a
queda do desenho para a parte da frente, com os degraus de acesso e o parabrisa
panorâmico, que tinha limite inferior à linha das janelas laterais, foi um
padrão adotado no Vitória com motor dianteiro.
Um dos aspectos do Caio Alpha,
como também era tradição da marca, foi a flexibilidade para várias
configurações e chassis.O modelo, como era tradição da Caio, não rompia
definitivamente com a estética do seu antecessor.
O Alpha serviu também para
vários chassis articulados. Novamente, o Volvo B 58 foi um dos principais. Mas
o modelo foi contemporâneo a evolução da marca sueca e as unidade mais novas
encarroçaram o Volvo B 10 M.
O ALPHA
INTERCITY
Outro destaque do Alpha, apesar
de o número de vendas ter sido inferior, foi a versão Alpha Intercity, feita
especialmente para linhas seletivas e trajetos intermunicipais, com características
entre os veículos urbanos e rodoviários. O modelo tinha a frente com desenho
que dava a impressão de ser mais elevada e robusta, para-choque mais encorpado,
poltronas semi-rodoviárias, portas únicas e até cortininhas nas janelas,
podendo também receber opcionalmente ar condicionado. O Alpha Intercity foi
lançado em 1997, mesmo ano do lançamento do Caio Millennium I, um modelo que
seria o “top da encarroçadora” para serviços urbanos, exclusivamente para
motores traseiros, com mais recursos de conforto e segurança, além de um design
futurista, chegando a ser um pouco polêmico a alguns entusiastas.
O
BIARTICULADO
Quando no início dos anos de
1990, os ônibus biarticulados foram lançados, determinando uma nova tendência
no mercado, inicialmente o Curitibano, depois se alastrando pelo Brasil, a Caio
não poderia ficar atrás e o foi o Alpha que marcou a entrada definitiva da
montadora no segmento.
O modelo não lembrava muito o
Alpha já consagrado, sendo chamado de Alpha AG, popularmente conhecido como o
“novo papa-fila”, devido ao tamanho de até 27 metros e alta capacidade de
passageiros. O modelo emprestava na verdade as linhas do Alpha e do Millennium
I e foi marcante principalmente em São Paulo, abrindo o caminho para o
biarticulado mais bem sucedido da fabricante, o Top Bus, lançado em 2004.
Em 1999, a Caio, em pleno
período conturbado mantinha o Alpha, que ia até o início dos anos 2000, lança o
modelo Apache S 21.
O Alpha marcou um fim da era
familiar da Caio e sua presença no mercado deu fôlego para um recomeço.
É um modelo cuja história
merece ser registrada pelo momento que não só foi contemporâneo, como também
influenciou.
Por Adamo Bazani, jornalista especializado
em transportes