Briga judicial com antiga família controladora da Itapemirim e vários processos envolvendo os novos proprietários marcam uma situação que ainda está indefinida e levantando dúvidas no mercado de transportes
Os empresários de São Paulo,
Sidnei Piva de Jesus, Milton Rodrigues e Camila de Souza Valdívia ao se
apresentarem para o mercado, no dia 6 de abril deste ano, anunciaram
investimentos para fazer com que a Itapemirim, que já foi uma das maiores
empresas de ônibus da América Latina, volte a ter destaque no segmento de
transporte de passageiros.
Ônibus novos, rotas diferenciadas
e uma reestruturação da empresa, que esteve muito perto da falência, estão
entre as promessas.
Relembre:
https://diariodotransporte.com.br/2017/04/06/novos-proprietarios-da-itapemirim-anunciam-investimentos-e-falam-em-setores-aereo-e-de-imoveis/
Mas não foi somente isso, o grupo
de investidores também assumiu as companhias de ônibus Transbrasiliana e Rápido
Marajó, que a exemplo da Itapemirim e de suas empresas coligadas, estão em
recuperação judicial.
Não bastasse o interesse por
empresas em recuperação judicial do setor de transportes terrestres,
recentemente os controladores da Itapemirim anunciaram a compra da Passaredo
Linhas Aéreas e a aquisição para empresa de mais 20 aeronaves até 2018.
Relembre:
https://diariodotransporte.com.br/2017/07/03/passaredo-linhas-aereas-e-vendida-para-grupo-da-viacao-itapemirim/
A Passaredo, com sede em Ribeirão
Preto (interior de SP), também passa por processo de recuperação judicial desde
19 de outubro de 2012. O plano envolvia dívidas superiores a R$ 150 milhões, e
foi aprovado pelos credores em maio de 2013, mas ainda não foi concluído.
O Diário do Transporte foi
procurado por diversos funcionários e ex-funcionários do grupo da Itapemirim
que disseram que, enquanto os novos controladores anunciam compras, aquisições
de ônibus de alto valor e aeronaves, entrada em novos negócios e planos de
crescimento que parecem ir na contramão da atual realidade econômica
brasileira, salários e direitos trabalhistas não têm sido pagos.
Os trabalhadores, com medo de
retaliações, pediram para ter os nomes preservados.
“Os novos donos da empresa postam
notícias que estão comprando a Passaredo, recebendo diploma de cidadão
cachoeirense, e tal, porém, os salários atrasaram até o mês passado.
Vale-Transporte, Vale-Refeição e Vale-Alimentação pagaram da última vez, mas
com atrasos” – disse um motorista de São Paulo
Outro funcionário, de Cachoeiro
do Itapemirim, também acrescentou que os trabalhadores têm dificuldades de
receber os valores correspondentes às férias e aos depósitos exigidos por lei.
“Somos registrados, mas na hora
de receber o PIS não conseguimos, porque não consta no sistema do governo.
Entramos de férias e só recebemos as férias um mês depois. Tá difícil, aí vem
os donos e falam da compra de outra empresa também em recuperação judicial. É
osso”
De Salvador, mais um motorista
confirma a informação do colega.
“O salário mês passado atrasou.
Fundo de Garantia não depositam. Quem sai não é indenizado e as férias, só
recebe quando o funcionário retorna”
Entre os profissionais ouvidos pelo
Diário do Transporte também estão os que foram demitidos e dizem que não
receberam nenhuma posição do atual grupo que assumiu a Itapemirim sobre os
pagamentos de direitos trabalhistas.
“Não recebemos nossos direitos.
Sequer atendem a gente e quando atendem, não são educados” – conta um
ex-motorista.
Na última sexta-feira, 07 de
julho de 2017, o Diário do Transporte noticiou que ex-funcionários da
Transbrasiliana, que agora integra o grupo da Itapemirim, fizeram um protesto
em frente ao TRT – Tribunal Regional do Trabalho. Os trabalhadores reclamam do
não pagamento de direitos relativos às demissões. Relembre:
https://diariodotransporte.com.br/2017/07/07/ex-funcionarios-da-transbrasiliana-fazem-protesto-em-palmas/
POLÊMICAS E PROCESSOS:
Andrea Cola, Camilo Cola e Camilo
Cola Filho dizem que foram vítimas de golpe. Foto: Vitor Jubini/ A Gazeta
A família Cola entrou com ações
na 13ª Vara Civil Especializada Empresarial de Recuperação Judicial e Falência
de Vitória (ES) para anular a transferência de controle da companhia e bloquear
a venda de ativos da empresa.
Andrea Cola, neta de Camilo Cola,
declarou mais uma vez na semana passada que a transferência de controle da
Itapemirim para os empresários Sidnei Piva de Jesus e Camila de Souza Valdívia,
que ocorreu em outubro do de 2016, foi feita de forma irregular.
Segundo a executiva, o negócio
original valeria apenas para as linhas operadas diretamente pela Itapemirim,
mas no final acabou envolvendo todas as empresas do grupo, incluindo
imobiliárias e imóveis.
O pedido de recuperação judicial
do Grupo Itapemirim, de março de 2016, é um processo que envolve dívidas
trabalhistas e com fornecedores de R$ 330 milhões e passivos tributários da
ordem de R$ 1 bilhão.
Entre as empresas do grupo estão
a Viação Itapemirim, Transportadora Itapemirim, ITA – Itapemirim Transportes,
Imobiliária Bianca, Cola Comercial e Distribuidora e Flecha Turismo Comércio e
Indústria, mas compraram as empresas. A Viação Kaissara foi incluída na
recuperação por determinação da Justiça que entendeu que houve indícios de
fraudes na transferência de linhas da Itapemirim à empresa. O novo grupo também
assumiu as linhas da Kaissara.
A compra da Transbrasiliana, de
Goiás, que também está em recuperação judicial é outra polêmica.
Ônibus operando pela rápido marajó já com o padrão da Itapemirim. |
Transbrasiliana também com o padrão Itapemirim. “Vamos pintar este Brasil de amarelo”, disse Milton Rodrigues Júnior em uma das entrevistas que concedeu ao citar a Transbrasiliana e a Rápido Marajó |
O administrador judicial das
empresas, Luis Claudio Montoro Mendes, disse em relatório que concordou com a
venda das cotas aos sócios da Itapemirim. Mas em outro relatório, declarou que
viu algumas suspeitas, como o pagamento de R$ 267 mil em nota fiscal à empresa
Delta X, a título de prestação de serviços que, segundo o mesmo relatório, não
especifica proposta de trabalho.
Além disso, o administrador
afirmou que há “confusão” entre a Tranbrasiliana e a Itapemirim, por serem
usadas a mesma identidade visual nos ônibus, os mesmos guichês, garagens e
abastecimento dos veículos nas bases da Itapemirim.
Milton Rodrigues é proprietário
de 14 empresas em Santa Catarina, Rondônia, Goiás, Espírito Santo e São Paulo.
Apesar de não constar oficialmente como sócio da Itapemirim, o empresário tem
uma Sociedade de Propósito Específico -SPE, constituída em fevereiro deste ano
com Camila e Sidnei, com endereço registrado na sede da Viação Itapemirim, em
Cachoeiro do Itapemirim.
O nome de Milton apareceu em 2015
como um dos pivôs de um suposto esquema de desvio de recursos envolvendo a
Transportadora Dalçoquio, de Itajaí, e a Tomé, outra transportadora de cargas,
com sede em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista.
Representantes da Tomé
Transportes, que assumiu o comando da Dalçoquio, registraram em 2015, boletim
de ocorrência contra Milton Rodrigues Junior, detentor de 80% das ações da
Dalçoquio, segundo o registro da empresa na Junta Comercial de São Paulo na
época.
Milton foi acusado de ter
desviado R$ 4 milhões do pagamento de funcionários que foram retirados de uma
conta da empresa.
A direção da Tomé alegou na
ocasião que a compra da Dalçoquio foi efetuada pelo empresário Laércio Tomé,
que teria se mantido anônimo. O registro da empresa então teria ficado em nome
de Milton Rodrigues, que deveria ser sócio minoritário. De acordo com a defesa
de Tomé, na época, Milton Rodrigues não teria cumprido o acordo que previa
devolução da maior parte das ações.
Ainda na época, a defesa de
Milton Rodrigues disse que ele comprou a Dalçoquio sozinho e que Laércio Tomé
queria comprar a transportadora de Itajaí depois.
Após um grupo de executivos da
Tomé ter chegado à Santa Catarina para assumir a Dalçoquio, Milton Rodrigues
deixou a direção e não efetuou os pagamentos devidos, impedindo que o negócio
fosse concretizado.
A defesa de Milton Rodrigues
ainda havia sustentado que os R$ 4 milhões foram transferidos para outra conta
da empresa, para pagar os funcionários e que a família de Laécio Tomé
Transportes teria se negado a oferecer a lista de trabalhadores.
O caso ainda é discutido na
justiça.
A semelhança entre a
transportadora de cargas Dalçoquio e a Itapemirim é que ambas empresas estavam
em recuperação judicial quando Milton Rodrigues apareceu em cena. O mesmo
ocorre com as empresas de ônibus Transbrasiliana e Rápido Marajó e com a
Passaredo linhas aéreas.
Já Camila de Souza e Sidnei Piva
de Jesus respondem a mais de 100 processos trabalhistas. Na Justiça de São
Paulo, são mais de 50 ações, várias relacionadas à execução extrajudicial ou
fiscal, ou seja, cobranças.
Um dos maiores processos de
execuções fiscais, na ordem de R$ 30 milhões, foi movido pela prefeitura de
Barueri, na Grande São Paulo, e envolve a Procarta Serviços, de propriedade dos
atuais sócios da Itapemirim.
Sobre as mais de 150 ações
judiciais, na ocasião que foram divulgadas as informações, o grupo da
Itapemirim por meio da assessoria de imprensa disse que o número de processos
que os novos proprietários respondem na justiça “é considerado ínfimo quando
comparado aos processos herdados pelo Grupo Itapemirim” e que “todos os débitos
das empresas estão sendo devidamente pagos através de acordos”. A Viação
Itapemirim também destaca que Milton Rodrigues não é sócio da empresa. Mas,
“como ele possui experiência no ramo, atua como colaborador na área operacional
da empresa”. Ainda afirma que “a SPE foi constituída para tentar canalizar
investimentos”.
Apesar da experiência alegada
pela assessoria da Itapemirim, Milton nunca trabalhou com transportes de
passageiros.
Sobre os atrasos nos pagamentos
de salários e direitos trabalhistas, o Diário do Transporte aguarda uma
resposta da Itapemirim desde a terça-feira, 04 de julho, quando fez a primeira
solicitação de posicionamento do grupo.
Foram feitos outros pedidos de
resposta por aplicativo de mensagens e por e-mail da assessoria de imprensa.
Os sindicatos dos trabalhadores
em transportes rodoviários nas bases onde a Itapemirim tem garagens, em
diversas regiões, confirmaram ao Diário do Transporte que a empresa atrasa
salários, direitos previstos em lei e que são difíceis as negociações com os
representantes dos trabalhadores.
Por Adamo Bazani,
jornalista especializado em transportes
Fonte: Blog
Ponto de Ônibus