Fonte: Blog Ponto de Ônibus
De acordo com reportagem do G1,
por meio do advogado Sacha Reck, houve fraude em ao menos 19 cidades. Maior
parte das licitações beneficiou as famílias Constantino e Gulin.
Documentos obtidos com
exclusividade pelo G1 evidenciam a existência de um esquema de fraude em
licitações de transporte urbano que operou em ao menos 19 cidades de sete
estados e do Distrito Federal com o objetivo de favorecer, principalmente,
empresas de duas famílias – Constantino e Gulin.
Entre os documentos, há troca
de e-mails entre empresários, advogados e funcionários de prefeituras sobre a
elaboração de editais de forma a atender os interesses das empresas nas
licitações.
ENVOLVIDOS EM SUPOSTAS FRAUDES NEGAM IRREGULARIDADE
Em alguns casos, os editais –
que deveriam ter sido feitos pelas prefeituras – são redigidos pelos próprios
empresários e advogados meses antes do anúncio oficial da licitação.
As informações põem sob
suspeita licitações em Brasília e em cidades de Santa Catarina, Paraná, Bahia,
Minas Gerais, São Paulo, Mato Grosso do Sul e Pará (veja abaixo como o suposto
esquema operava e cidades envolvidas).
Várias das supostas ações
fraudulentas indicadas nas mensagens por e-mail e obtidas pelo G1 foram
denunciadas ou já tiveram investigações abertas pelos ministérios públicos nos
estados.
De acordo com investigações
conduzidas pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado
(Gaeco) do Ministério Público do Paraná, há documentos suficientes para indicar
a existência de uma “organização criminosa muito bem estruturada” que fraudava
licitações em diversas cidades do país.
“Elementos que foram
apreendidos em várias cidades do Paraná, em Santa Catarina, São Paulo e
Distrito Federal ainda estão sendo entregues. Nós já começamos a receber os
elementos de quebras de sigilo bancário e fiscal. O volume de documentos é
muito grande”, explicou a promotora Leandra Flores, do MP do Paraná. “Temos que
analisar a coincidência desses grupos econômicos atuando de forma conjunta e
concomitante em várias cidades”, declarou.
Na solicitação à Justiça, em
fevereiro deste ano, de pedidos de prisão preventiva, de condução coercitiva e
de busca e apreensão referentes ao caso de Guarapuava (PR) – quelevou às
prisões de parte dos envolvidos,soltos posteriormente –, promotores do Gaeco já
afirmavam que os e-mails apontavam para a prática de crimes em várias cidades.
“Este Núcleo Regional do GAECO,
por meio de cumprimento de mandado de busca e apreensão de dados eletrônicos
expedido por este Juízo logrou êxito em obter junto ao servidor de e-mails da
empresa LOGITRANS – Logística Engenharia e Transportes Ltda. inúmeras mensagens
eletrônicas que demonstram, em tese, a prática dos crimes praticados em
Guarapuava e em diversos outros Municípios”, diz trecho do pedido assinado
pelos promotores Vitor Hugo Nicastro Honesko, Leandra Flores, Mauro Alcione
Dobrowolski e Cláudio Cesar Cortesia.
O suposto esquema
Na maioria das cidades
envolvidas, o esquema funcionava da seguinte forma, segundo as investigações:
>> A empresa Logitrans,
que já teve entre seus diretores o engenheiro Garrone Reck, era contratada
pelas prefeituras para fazer estudos de logística e projeto básico de
mobilidade urbana.
>> O filho dele, Sacha
Reck, atuava na concorrência como advogado ou assessor jurídico de empresas de
ônibus interessadas em explorar as linhas.
>> Os documentos mostram
que Sacha Reck obtinha informação privilegiada sobre as licitações e atuava na
elaboração dos editais, orientando ou seguindo orientações dos empresários
sobre cláusulas que deveriam constar nos documentos.
> Os editais a serem publicados
pelas prefeituras eram elaborados por advogados ligados ao escritório de
advocacia de Curitiba do qual Sacha Reck era sócio e por ao menos um
engenheiro, que fazia a avaliação técnica das propostas das empresas.
Documentos com ‘xxxx’
De acordo com os documentos
obtidos pelo G1, a advogada Danielle Cintra, de Curitiba, ajudou na elaboração
de vários editais sob suspeita. Ela enviava os documentos a Reck e a
empresários já em papel timbrado das prefeituras e com os trechos a serem
preenchidos ou marcados com cores ou “xxxx”.
O engenheiro Fábio Miguel, da
Turin Engenharia, era contratado com regularidade pelas prefeituras, em
negociações intermediadas por Sacha Reck, para que fizesse a avaliação técnica
das propostas das empresas participantes da concorrência.
Os e-mails revelam que Miguel
repassava a Sacha Reck o rascunho dos pareceres, para que o advogado
“revisasse” os documentos antes de serem encaminhados às prefeituras.
Prisões
Parte dessas conversas, obtidas
com autorização da Justiça por meio de busca e apreensão na Logitrans,
embasaram a prisão preventiva de Garrone Reck, de sócios dele e de Sacha Reck
no dia 29 de junho, naOperação Riquixá, que apura fraudes no sistema de
transporte coletivo em licitações de Foz do Iguaçu, Guarapuava e Maringá, todas
cidades do Paraná.
O G1 teve acesso ao pedido de
prisão, que lista parte dos e-mails obtidos pela reportagem e aponta a
existência do mesmo esquema de fraude em outras regiões do país.
Segundo o texto dos pedidos de
prisão feitos à Justiça em fevereiro por promotores do Gaeco do Paraná,
“existem sérios indícios de que os investigados ligados à LOGITRANS se
uniram a empresários do ramo de transporte público (especialmente ligados aos
Grupos empresariais/familiares GULIN e CONSTANTINO) para supostamente fraudar
procedimentos licitatórios de concessão de transporte coletivo, ocasião em
que possivelmente corrompem agentes públicos que necessariamente devem
participar das fraudes para o seu êxito, configurando uma verdadeira
organização criminosa”.
De acordo com o que afirmam no
texto os promotores, as investigações indicam que “essa suposta organização
criminosa formada pelos representantes da LOGITRANS e pelos Grupos GULIN e
CONSTANTINO (além de outros que eventualmente sejam descobertos nesta
investigação) atua em diversos municípios brasileiros, especialmente no
Estado do Paraná, concluindo-se que o modus operandi utilizado nas práticas
criminosas é muito similar”.
‘Confidencial’
Em Marília (SP), os documentos
obtidos pelo G1 (veja trecho na imagem acima) indicam que Sacha Reck e
empresários de ônibus elaboraram até mesmo o projeto de lei municipal que
autorizou a concessão, em 2010. A licitação ocorreu em 2011, com vitória da
Viação Cidade Sorriso e da Grande Bauru, empresas das famílias Gulin e
Constantino.
Em 3 de maio de 2010, o
empresário Pedro Constantino encaminhou a Sacha Reck e-mail que recebeu do
deputado estadual de Minas Gerais Deiró Marra (PSB) com a minuta de um projeto
de lei de Marília que autoriza a prefeitura a contratar, por regime de
concessão, empresa para operar transporte coletivo na cidade.
Deiró Marra é dono da empresa
de logística Grupo PHD. No e-mail a Sacha Reck, com assunto “confidencial,
restrito a nós”, Pedro Constantino pede que o advogado faça “considerações,
análises e modificações” na minuta.
Ao longo de 2010 e 2011,
e-mails apontam que o advogado e empresários da Viação Cidade Sorriso e da
Grande Bauru tentam encontrar empresas “parceiras” para figurarem na licitação
somente para viabilizar a vitória das duas companhias. Em novembro de 2011,
Cidade Sorriso e Grande Bauru são declaradas vencedoras do certame.
No caso de São José do Rio
Preto, sócios da empresa Logitrans elaboraram o projeto básico de mobilidade
urbana em 2010.
Embora não figurasse
oficialmente como integrante dos quadros da Logitrans, Sacha Reck auxilia na
confecção dos documentos e recebe, em 28 de dezembro de 2010, do presidente da
comissão de licitação da prefeitura, Wanderley Souza, a minuta do edital de
licitação de ônibus, antes de sua publicação.
Ao mesmo tempo em que tem
acesso antecipado e participa da elaboração do edital, Sacha Reck atua como
assessor jurídico de duas empresas de ônibus que entrariam na licitação, a
Circular Santa Luzia e a Expresso Itamaraty.
A abertura dos envelopes
acontece em 29 de abril de 2011, e as duas empresas representadas por Sacha
Reck vencem a licitação.
Revisão de parecer
Na licitação para transporte coletivo em Porto Seguro (BA), realizada em agosto de 2011, e-mails (imagem acima) mostram que Sacha Reck e representantes da Viação Cidade Porto Seguro, da família Gulin, elaboraram o edital de licitação juntos.
Entre janeiro e março, Caico Gulin e Sacha Reck enviam um ao outro minutas do edital, com sugestões de alteração. A ingerência continua até na fase de habilitação das empresas, conforme indicam os documentos.
Contratado pela prefeitura, o engenheiro Fábio Miguel, da Turin Engenharia, envia a Sacha Reck, “para revisão”, os pareceres sobre habilitação ou não das empresas.
O edital foi publicado em 19 de abril de 2011 e a abertura dos envelopes ocorreu em 6 de junho, com vitória da Viação Cidade Porto Seguro.
Exclusão de vans
No processo de licitação de Guarapuava (PR), os e-mails apontam que Sacha Reck, que assessorou a empresa Pérola do Oeste no certame, fez modificações na minuta do edital para diminuir o acesso de empresas concorrentes.
Em e-mail a Júlio Xavier Vianna Jr., marido de uma das sócias das empresas do grupo Gulin, Sacha Reck recomenda, em 30 de março de 2009, a inclusão do termo “ônibus” em um dos trechos do edital, para evitar que concorram na licitação empresas de vans.
“Interessa incluir a expressão ‘POR ÔNIBUS’? Atualmente existe o transporte coletivo urbano com ‘VANS’ regularmente contratado em algumas cidades. Isto ajudaria a restringir o universo de concorrentes potenciais e o poder de fogo do inimigo virtual”, diz o advogado.
Em nome do secretário
Na licitação de ônibus do
Distrito Federal, troca de e-mails (imagem acima) entre 2 e 3 de abril de 2012
revela que os sócios Sacha Reck e Danielle Cintra fizeram ofício em nome do
governo do Distrito Federal convidando o próprio escritório de advocacia para
prestar consultoria no processo de licitação da capital federal.
O documento, feito por Sacha
Reck e Danielle Cintra, está em nome do então secretário de Transportes, José
Walter Vazquez Filho, que ocupou o cargo na gestão do governador Agnelo Queiroz
(PT). Conforme o contrato, o valor do serviço ficou em R$ 1,3 milhão.
A Logitrans também foi
contratada para fazer o projeto de mobilidade urbana do Distrito Federal e,
mais uma vez, os vencedores da licitação foram empresas das famílias Constatino
e Gulin – Pioneira, Piracibacana e Viação Marechal.
No Distrito Federal, a CPI dos
Transportes criada pela Câmara Legislativa em 2015 e encerrada em abril deste
ano pediu o indiciamento de 17 pessoas por supostas irregularidades na
licitação do transporte – entre elas o ex-secretário Vazquez e Sacha Reck.
A Justiça também determinou o
cancelamento da licitação e a abertura de uma nova concorrência, mas o governo
do Distrito Federal recorreu e ainda não há decisão sobre o caso.
Reportagem de: Nathalia
Passarinho, Fausto Siqueira e Fausto Carneiro – Do G1, em Brasília, e do G1 DF
(g1.globo.com/politica/noticia/2016/08/documentos-apontam-esquema-para-fraudar-licitacoes-de-onibus-pelo-pais.html)